segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O sinal de Caim

O sinal de Caim

O que significa o sinal herdado pelos descendentes de Caim?
Quem são os seus herdeiros?

O pecado de Adão e Eva provocou a ruptura entre o homem e o universo. A harmonia existente no paraíso ficou abalada por causa da divisão do homem entre o espírito e a carne. Em Gênesis 4, 1-6, encontramos a extensão desse pecado, as conseqüências, pois agora ele se estende à geração de Adão: Caim mata Abel, a divisão insinua-se entre os irmãos e entre os povos, ruptura com Deus no primeiro ato agora atinge também o rompimento com os homens. O mal se expande no mundo.
Até esse capítulo ninguém ainda morrera na criação bíblica, apesar da ameaça potencial da morte (Gn 2, 17). A morte finalmente chega, mas pelas mãos do homem. Apesar da ameaça divina, não foi Deus quem introduziu a morte no mundo. Desde que o homem tomou a história em suas mãos e passou a forjá-la, não fez outra coisa senão dar o sinal da morte até nossos dias. Pela primeira vez, nos relatos bíblicos, surge um crime, um assassinato. Começa aqui uma  luta fratricida, de classes. O nome Caim significa “adquirir um homem” (Gn 4, 1), especificando o cidadão; o termo Abel significa “sopro, nada”, como para indicar a rapidez de sua vida. Os protagonistas dessa história simbolizam as duas classes sociais, o cidadão e o pastor.
Quando o pai de Caim pecou, Deus o procurou, perguntando: “Onde estás?” (Gn 3, 9). O homem estava escondido, foi o primeiro rompimento. Contudo, romper com Deus é romper também com o irmão, conseqüência do primeiro pecado. Ele agora pergunta a Caim: “Onde está teu irmão Abel?” (Gn 4, 9). O homem é a semelhança de Deus; amar o homem é amar a Deus, matar o homem é desprezar Deus. Mas tudo indica que Caim não se arrependeu: “Por acaso sou guarda do meu irmão?”. A maldição que  vem logo em seguida não é sentenciada por Deus, é uma conseqüência do pecado. Deus simplesmente predisse a Caim tudo o que lhe iria acontecer doravante: “Serás errante e vagabundo sobre a terra (Gn 4, 12b)." Quando pecamos, perdemos a graça. Entrar nesta “des-graça” não é um castigo de Deus, é uma escolha nossa. Muitas vezes interpretamos erroneamente as conseqüências do pecado como sendo castigo de Deus. Algo semelhante acontece  na interpretação do texto anterior, quando Deus profere para Adão: “Com o suor do teu rosto comerás o pão.” (Gn 3,9), como se o trabalho fosse um castigo. É a fatalidade dos acontecimentos.
Deus é bom e misericordioso. Após a expulsão do paraíso, Deus fez para Adão e sua mulher túnicas de peles com as quais os vestiu (Gn 3, 21). Para o filho de Adão, colocou um sinal, para que quem o encontrasse não o matasse (Gn 4, 15). Essa demonstração de carinho do Pai celeste para com seus filhos é o sinal da bênção. A marca de Caim era para demonstrar que ninguém tinha o direito de subtrair a vida de alguém, nem de Caim, tão pouco de seus descendentes. A vida é um dom de Deus e só Ele tem o poder sobre a vida do homem. Deus não admite vingança, que alguém faça justiça pelas próprias mãos. O julgamento compete a Deus, ninguém tem o direito de tomar a si a Justiça de Deus, como se pretendesse substituí-lo. Deus não quer a morte do pecador, mas que se converta e viva. A lógica de Deus foge dos nossos padrões de justiça, muitas vezes mais de justiceiros. Deus não ama o pecado, mas ama o pecador, ainda que seja um assassino, como Caim.  O sinal de Caim é uma demonstração óbvia que a vida pertence a Deus. Os conceitos que a humanidade adquiriu sobre a pena de morte, eutanásia, aborto e outros que relativizam a vida, fogem, portanto, do conceito bíblico em preservar a vida como dom de Deus.

Pe. Geraldo Bellochio – Doutor em Teologia (publicado na revista Ir ao Povo, maio de 2007).

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